quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

THE WILD GIRL WITH RASPBERRY LIPS


I




A nota de cinco dólares estava no balcão de formica branca com gotículas de suor da atmosfera. A umidade do ar estava muito alta. Os azulejos holandeses que decoravam e higienizavam o açougue vertiam água condensada abundantemente. Um pacote de carne crua sangrando foi colocada na formica alva. O açougueiro colocou o dinheiro na gaveta da máquina registradora. Depois de se despedir do comerciante de carnes, com um sorriso vampiresco, canino e sinistro, Rasputínio se encaminhou para sua casa. Seus pensamentos eram vermelhos, como a carne que acabara de comprar, mas logo perderam a violência abstrata, seu impeto mercurial se aplacou. Em casa pegou um prato de porcelana branca decorado com flores vermelhas e voluptuosas. Disponibilizou a quantidade de massa sanguínea no recipiente. Ficou algum tempo extasiado observando o rubente carnal.





II
Após o estado de transe começou o ritual da refeição cotidiana. A mesa de mogno envernizada dava suporte a operação gastronômica e a um livro de Bram Stocker (encadernado de forma clássica). Cebola, alho, temperos diversos e sofisticados inciaram o processo. No seu ritual não poderia faltar a ambrosia etílica... Delicadamente, retirou da cristaleira um copo de conhaque digno da estirpe napoleônica. Pisando maviosamente pelos parques da sala - foi até o bar - retirou o Jerez De La Frontera. Inclinando a garrafa verdoenga escura - preencheu um quarto do copo - escorrendo suavemente o líquido sagrado. O nobre fluido foi sorvido de rompante. Uma lágrima escorreu do seu olho sinistro, enquanto destramente terminara o preparo do acepipe.



III


Rasputínio estalou os dedos - tranquilo - pois depois de garantir a elaboração do alimento diário, sentou-se junto a mesa de trabalho, se posicionando em frente ao computador e começou a metralhar os teclados como rotineiramente fazia. Clicou duas vezes o mouse com o cursor na posição de print. O estalar da impressora preencheu o oco sonoro do quarto. O papel em branco estava ganhando letras, virgulas, acentos e outras praxes ortográficos. Em forma de escrita, estava relatado todo seu dia anterior, como de ramerrão fazia... Perambulava pelo centro da cidade e em bairros populares, frequentando butecos barra pesada. Seus dedos dos pés estavam roxos, hematomas, consequência do caminhar de vinte e cinco quilômetros pelas avenidas de palmeiras imperiais, que adejavam galhos aos olhos dos transeuntes e dos universos inimagináveis & equidistantes. No dia anterior, a poesia, o encanto das arecales, havia sido quebrado por sirenes. Viaturas policiais vinham de todos os lados, deixando os caminhantes desnorteados. O aparato estatal-policial hegeliano (no mais alto grau) falhou, os meliantes conseguiram com sucesso surrupiar a Instituição Financeira (o ápice do sistema capitalista).



IV

Depois de atravessar este obstáculo imposto ao status quo financeiro e estatal, penetrou num ambiente opressor, Kafkiniano. Pessoas sem sorrisos na penumbra de um porão - que havia se transformado em um Pub Démodé - bebiam avidamente. Um longo balcão negro com bancos roxos se estendiam quase infinitamente. Rasputínio pediu um conhaque para amenizar a gelada manhã do inverno sulino do extremo sul brasileño. Olhou ao lado e surpreendeu-se. Um sorriso suportado em lábios framboesa. Cabelos pretos escorridos retilíneos davam forma ao rosto livido, estranho, dark. O conhaque escorreu pela garganta, sua retina fotografou a face exótica da garota esdrúxula, mas estranhamente atraente....

Corte no tempo:
V

No exato momento em que relia o relato do seu dia anterior, depois de ter ingerido mais de meia garrafa de Jerez de La Frontera, o som da campainha num estridente zunido o fez jogar a folha de ofício para o ar. Antes de se levantar colocou um punhado da carne crua na boca e foi até a porta, ainda mastigando a matéria cruenta - abriu a porta.


De forma alienígena, assomada a soleira, a garota do pub se materializou na sua frente. Seu rosto descolorido, anti sanguíneo  contrastava com a roupa de couro preta. Os olhos negros e o sorriso framboesa hipnotizaram Rasputínio. As unhas azuis, longas dos dedos longilíneos o impulsionaram para o interior da casa. Sem nada dizer a visitante se serviu do conhaque e o sorveu divinamente, molhando seus lábios sex appeal. Num ato contínuo jogou a garrafa de Jerez de La Fronteira contra a parede e levou o anfitrião para a cama. As unhas felinas turquesas dilaceravam o dorso de R. que sangrava em sulcos e despertava a ancestralidade dos feromônios no seu estado selvagem. Uma dor e excitação benigna, um prazer animalesco se apoderaram do corpo de Rasputínio (Prazer & dor a essência humana), mas o êxtase extremo e primitivo o levaram a desfalecer, a evanescer sua consciência sobre os lençóis de cetim manchados de feromônios, sangue, virtualidade & quetais... Com a pele empastada do sistema circulatório e a líbido extenuada - R. se levantou. Sua cabeça era lancinada por raios impetuosos  de dor. Aspirinas foram ingeridas. Seus olhos perquiridores procuravam a garota do pub -  Sem sucesso. Um risco tênue rúbeo se estendia... Seguiu até o jardim a pista. Uma roseira de caule negro, avivada havia aparecido como um passe de mágica. Uma rosa branquíssima no ápice da planta o fez reviver a experiência orgástica da Wild Girl...










EPILOGO


Rasputínio em vão passou frequentar diariamente o pub démodé com a esperança de reencontrar a garota dos lábios framboesa. Com passar do tempo se introverteu, passou a consumir avidamente conhaque. Não tinha mais tesão pela existência. Seu único momento de prazer era quando sua memória já cambaleante conseguia resgatar a imagem da Raspberry Lips. Definhou na mesma proporção que aumentava o álcool no seu sangue, até o dia que foi encontrado morto junto a roseira negra de pétalas brancas. Com o dorso e o pulso furados pelos espinhos longilíneos negros e fatais, seu corpo foi retirado do local pela polícia. No entanto, morrera com um sorriso eterno nos seus lábios brônzeos....