sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

O Rodoviário


O RODOVIÁRIO



José Acorda. Olha o relógio no criado mudo: 4:00 AM. Na sua cabeça ainda ecoa os tiros da guerra de disputa dos pontos do tráfico na vila. Não tem muito tempo para pensar. Toca suavemente na sua esposa gravida de 7 meses. Tem um longo dia de trabalho pela frente - dirigir intensamente sob o sol escaldante do verão porto alegrense. Antes, porém, vai deixar Maria no Posto de Saúde há alguns quilômetros de distância. Amargam trinta minutos na parada. Embarcam no ônibus. Cumprimenta o colega que faz sua primeira viagem em direção ao centro histórico da cidade - um projeto do atual governo municipal que junto com a especulação imobiliária expulsa as classes de baixa renda para os confins sem estrutura.  





No Posto de Saúde - uma longa fila desafia sua paciência. A realidade é dura. Maria diz para José não se preocupar:

-Vai ficar tudo bem. Pode ir trabalhar. Cuido do nosso filhinho...

José contrariado e humilhado pelos serviços deficientes de saúde respira fundo e espera mais uma vez o ônibus diante um poste que sinaliza a parada de ônibus. Embarca num coletivo. A preocupação com Maria vai dividir seus pensamentos com o estado de greve que a  assembleia da categoria dos rodoviários declarou. Senta junto ao cobrador:

- Pois é velho tá difícil trabalhar com este calor...

- Pois é José. Estes veículos sem manutenção, sem ar-condicionado e nossa carga horária é para deixar qualquer um doente.

- Sabe... Minha esposa está grávida, acabei de deixa-la no Posto de Saúde. Nosso Plano Médico da Empresa não cobre o minimo...

- Pior ainda - nosso Vale Refeição. Não compra nem mais o leite das crianças.

- Vai na assembleia na noite?

- Vou José. Nunca gostei de parar, mas a situação é crítica. O salário não dá mais para viver.

- Também mudei de opinião, depois de saber que os patrões financiam as campanhas dos políticos para aumentar o valor da passagem e nos pagar esta miséria. 

- A Comissão de Greve disse que as empresas de ônibus também financiam os programas dos  meios de comunicações. Deve ser por isso que eles estão sempre contra nós.


José chegou na garagem da empresa. Colocou o crachá na camisa azul. Seu supervisor lhe chamou:

- José... Preciso que tu toque mais 4 horas hoje. O Pedro está com os rins lhe arrancando suspiros de dor. Está sentado esperando atendimento no setor de urgência do hospital - desde ontem a noite.

- Já sei... Minhas horas-extras vão para o banco de horas. Até hoje não consegui compensar nenhuma.

- Não gosto disto também, mas tenho família, tenho que me sujeitar.

6:30 AM - José dá a partida no ônibus. Já dos primeiros passageiros ouve as reclamações que junto com o transito caótico vai lhe deixar estressado:

- Moço... Estou meia-hora na parada. Como demora...

E assim transcorre o dia... Finalmente chega a hora de recolher o veiculo. Na garagem se une aos companheiros que pronunciam:

- Chega de Exploração. 

- Queremos Salário.

- O Trabalhador Unido Jamais Será Vencido...

A assembleia decide pela greve. Os meios de comunicações corporativos imediatamente começam a guerra de versões espúrias para enfraquecer o movimento. Os patrões são recebidos pela prefeitura nos gabinetes com ar-condicionado e água mineral gelada. Nos corredores se ouvem gargalhadas animadas. O movimento pró-greve  marcha pelas ruas da capital gaucha. José nutre a esperança ao lado dos companheiros por dias melhores. Eles são trabalhadores que batalham e não tem medo de adversidades. Maria está em seus pensamentos, enquanto palavras de ordens ecoam pelas ruas...





A luta é grande mas a vitoria é certa....






Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

§ 1º - A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

§ 2º - Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei.


terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Kairós Kαιρός - A Eternidade do Pensamento



Kairós  Kαιρός 

A Eternidade do Pensamento

Finalmente - Sentei. Um dia cansativo por não ter feito nada. É verdade que tivesse feito algo, também seria um dia inútil e cansativo, com o agravante de ter modificado alguma coisa de concreto que me rodeia. 

A garrafa não está vazia... 

Tenho Algo a fazer...



A medida que o homem foi se desvinculando da natureza, sua capacidade de agir com o próprio corpo foi se tornando escassa. Por meio da inteligência desenvolveu ferramentas que lhe poupam trabalho, inclusive fabricando alimentos mais caloríficos que lhe dá mais autonomia de tempo entre uma refeição e outra. Possibilitando a dedicação a arte e técnica, pois abreviou ações vitais que antes ocupavam quase todo seu tempo vígil. Tudo flui, Panta Rei, já disse Heráclito - Observando a natureza.



Não quero a volta a caverna, mas também não quero me tornar silício e sangue sintético ou palavras e corrente elétrica... Porque só compreendemos o sentido da vida quando estamos prestes a morrer? Não importa a idade, a morte nos move, tanto quanto a adrenalina. Os dedos na terra é fundamental para podermos ser, ser no sentido filosófico, ontológico. Não adianta ficarmos a existência encima de teclas e celulose; precisamos as experiências da vida para depois descrever, metodizar.





A rotina alcoólica e a física quântica permitiu enxergar coisas que os sóbrios ignoram. Algumas vezes, mesmo de forma inconsciente, consegui chegar a singularidade de Deleuze. Ver que tudo que existe tem a mesma base material e é movido pelas quatros forças que fazem o deus de Nietzsche dançar. A diferença veio com a alcoolemia crítica e o estudo de física de Newton. Relembro uma vez que disse a um filosofo acadêmico que minha mente era selvagem. Conseguia pensar selvagemente Kant, Descartes e todos os racionalistas. Ele respondeu autoritariamente:

-Você quer pensar? Então, entre na academia e faça filosofia, não se pode pensar selvagemente...





Então, lembrei-me de Meinong - o filosofo que acreditava que os objetos não existentes fora dos conceitos - que não encontram realidade - devem existir em algum lugar do universo. Um unicórnio deve existir em algum lugar do infinito universo, algo muito parecido com os multi universos da Teoria das Cordas. Alexius Meinong foi classificado por Bertrand Russel como a mente selvagem. O alcoolismo me liberou do que Deleuze chamava de ‘burocratismo fundamental’ que habita as universidades, que tenta formalizar o rio de Heráclito, que tenta estancar a imaginação. A eternidade do pensamento deve existir dentro da Teoria das Cordas que prevê a existência de 11 dimensões e universos paralelos, além de conciliar a Mecânica Quântica e a Teoria da Relatividade e explica tudo no universo. As palavras que escrevo estão a procura de sentido. Jogo-as ao vento na esperança de que achem sua semântica. Algo parecido com as flamulas budistas adejando, espalhando com o vento seus versos de sabedoria pela natureza. 





Pela força dessa farta doação,
Que eu me torne um Buda para o benefício dos seres vivos;
E, por minha generosidade, liberte
Todos os que não foram libertados pelos Budas anteriores.
Geshe Kelsang Gyatso






segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Confeitaria Paraísos Artificiais







Confeitaria Paraísos Artificiais 





Os confeitos de haxixe decoravam a camada alva de açúcar do doce branquíssimo, belo e sedutor como o nariz de Cleópatra. O glacê de açúcar, suco de limão e clara de ovos ornamentava a forma meia-esfera. O doce era feérico e por trás do vidro diáfano atraia a atenção de forma carismática, parecendo ter vida própria. No balcão de lanches fumegavam taças de porcelana branca. Pareciam pequenos navios a vapor sendo bebericados por titãs de terno e gravata, em intervalos regulares, preenchidos por colóquios dos mais diversos teores. Agora tinha virado paixão irrefreável, encantamento. Solicitei a balconista de avental verde:

- Por favor, gostaria daquele doce alvo como a neve eterna do Everest. 

Em segundos, estava com o manjar envolvido em guardanapos. Os lábios úmidos derretiam a camada doce e absorviam os pedacinhos de haxixe. Ao sair da confeitaria o neon do letreiro fez atentar para o nome da casa de doces:

Paraísos Artificiais



Uma pessoa parecidíssima com Charles Baudelaire, pelo menos com as fotos de sua biografia, estava encostada na parede amarela do prédio da esquina. O amarelo rebrilhava em função da incidência das luzes de sódio que invadiam a noite. A esquina era simpática, porém tinha um ar de decadência, de sonho americano perdido:

- Psiu...  Você poderia me dar um pedaço deste hidromel sólido?

Já havia comido a metade do doce alvíssimo com confeites de haxixe. Reparei no traje uma característica dos poetas do século XIX, em frança. Com todo respeito e escrúpulo perguntei:

- Você é um mendigo?

- Não Monsieur ... Sou apenas um revolucionário da poesia, deslocado no tempo cronológico. Não me leve a mal, senti saudades dos doces de antanho confeitados com haxixe.


Mentalmente evoquei Les Poètes maudits: Rimbaud, Verlaine, Baudelaire, Antonin Artaud... Fiz mais... Voltei a confeitaria Paraíso Artificiais e comprei mais meia duzia dos doces alvíssimos e uma garrafa de vinho involucrada em um saco de papel reciclável. Convidei "Baudelaire" para sentar no banco verde da praça. Postes estilos londrinos iluminavam árvores de origens desconhecidas. Comemos alguns doces e demos alguns goles no vinho. Meu companheiro de viagem apontou o dedo para flores de aspectos malignos. Nas pétalas podíamos ver rostos diabólicos com expressões terríveis. Por momentos senti um calor subir pelas pernas e queimar meu cérebro. Olhei para o lado e vi Baudelaire transfigurar o rosto - uma expressão demoníaca se apossou de sua face. Joguei os doces e o vinho para o alto e corri sem olhar para trás.



Quando parei de correr já estava na avenida iluminada. Os faróis dos automóveis se decompunham em cores que penetravam e atravessavam meu corpo. Ao longe vi um vulto estranho, parecido com Baudelaire. Não tive dúvida, comecei a correr. Chocava-me com pessoas nas calçadas. Quando me dei conta, estava diante uma igreja. Algumas pessoas vestidas de um branco puríssimo na porta central do templo faziam sinais com a mão. Acenavam para mim ir até elas. Fui carregado por esses anjos humanos até o altar. O Bispo aspergiu água benta no meu corpo, levantou um crucifixo de prata e pronunciou:



Exorcizo te, omnis spiritus immunde, in nomine Dei (X)
Patris omnipotentis, et in noimine Jesu (X) Christi Filii ejus, Domini et Judicis nostri, et in virtute Spiritus (X)
Sancti, ut descedas ab hoc plasmate Dei (name),
quod Dominus noster ad templum sanctum suum vocare dignatus est, ut fiat templum
Dei vivi, et Spiritus Sanctus habitet in eo.
Per eumdem Christum Dominum nostrum, qui venturus est judicare vivos et mortuos, et saeculum per ignem.





segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Mat's Homens - Hamburguer de Deus




Mat's Homens - Hamburguer de Deus







No horizonte, na linha reta da estrada víamos uma torre brilhar intensamente. O Sol refletia um imenso ícone de alumínio - simbolizando a grandiosidade do engenho humano. Chegamos no portal da cidade, um  ingente arco de aço e concreto, que no alto estampava três palavras em vermelho sanguíneo:

Hambúrguer, Progresso & Deus


Estávamos atrasados. Participaríamos da licitação para aquisição de gigantescos moedores de carne. Paramos o carro na cancela. Logo vieram dois homens indumentados com macacões vermelho e amarelo. Fomos identificados e autorizados a prosseguir em direção a única empresa da cidade. Chegamos ao prédio imponente da estatal de hambúrguer e sua imensa e complexa estrutura metálica que roçava o cerúleo. Fomos recebidos de forma simpática pelos executivos da industria. Informaram que eramos os únicos  a participar do concurso de aquisição das máquinas. Sentamos em cadeiras confortáveis e apresentamos nosso orçamento. O responsável pelas compras abriu o envelope e sorriu positivamente. Entre cafés e conversas animadas - os funcionários nos comunicaram que estava fechado o negócio. Encerrado as formalidades da aquisição dos moedores de carne, fizemos uma visita pelas instalações da fábrica de hambúrguer. Olhamos por uma grande janela de vidro  e vimos  engrenagens, máquinas funcionando, sob o comando da sala de controle. Toda a linha de produção era robotizada e ordenada por meio de computadores. Um cano de aço inoxidável espirrava carne moída. A cor era de um vermelho diferente da carne bovina. Perguntamos ao diretor de produção qual o motivo daquela tonalidade. Ele alegou que era devido ao tempero:



- Esse é o motivo do sucesso da estatal em ser líder imbatível na área de hambúrguer. O condimento é o segredo, assim como a coca-cola tem sua formula hermeticamente guardada, temos a nossa. 


Não tivemos acesso  apenas as divisões da câmara frigorifica - que guardava a matéria-prima  e condimentação, pois segundo os funcionários ali estava o Know-How, o busílis do sucesso.







Fomos convidados para o happy-hour . O sol já não iluminava totalmente a torre, o entardecer já se fazia presente. Comemos os deliciosos hambúrgueres acompanhados de cerveja belga. A maioria dos servidores eram simpáticos e solícitos. Conversamos sobre banalidades e demos boas risadas. Porém a noite se aproximava e tínhamos um longo caminho a percorrer para casa. Estávamos felizes, ganharíamos uma excelente comissão pela venda. Levamos  caixas térmicas com hambúrgueres e cervejas para a viagem de volta. Resolvemos beber logo que saímos da Estatal e sua imensa torre de alumínio, observamos um gigante prédio cinza sem janelas, que  tinha passado desapercebido. Exercitamos nossa imaginação para saber qual a funcionalidade de tal construção.





A velocidade nos afastava da cidade dos hambúrgueres. Na realidade, se resumia a grande torre metálica, alguns imponentes prédios governamentais e uma vila que servia de moradia aos funcionários. Diferentemente da nossa vinda, havia um carregado trafego de ônibus robustos com as janelas gradeadas em direção a fábrica. Lembrou-nos veículos que transportam  presos. Outro mistério que não conseguimos desvendar. Paramos para urinar, ouvíamos gritos desesperadores junto com os motores que cortavam o asfalto em direção a industria. Deliberamos encostados no automóvel e com as mãos portando cervejas. Estaríamos delirando ou eram realmente gritos humanos.  Nossa curiosidade etílica ativou nossa coragem.  Nada justificava aqueles veículos com centenas, milhares de pessoas. Tudo era automatizado, não havia mais que duzentos funcionários, não precisavam de mais mão-de-obra:


- Porque aquelas pessoas gritando desesperadamente dentro dos veículos em direção a estatal?







Esperamos a noite se asseverar e o fluxo na rodovia zerar. Iniciamos o caminho da nossa investigação. Descemos um quilometro antes do pórtico para não sermos notados pelos guardas. Conseguimos abrir a porta principal com uma gazua eletrônica universal, que nos daria acesso  a todas instalações. Entramos numa sala enorme - o show-room - uma parede aproximadamente de  cinquenta metros era ocupada por moderníssimos freezeres com vidros diáfanos,  expondo os diversos tipos de hambúrgueres e seus variegados temperos. Passamos o show room e entramos num corredor extenso que não tínhamos  estado durante a visita. Havia varias portas de metais reluzentes, apesar da pouca iluminação. Na primeira porta uma placa na parte superior, acima da trave, dizia:  Condenados por Assassinato. Na segunda porta outra placa com os dizeres: Condenados por Subversão. Na terceira: Indigentes. Na quarta: Revolucionários...  E assim foram se sucedendo as portas e suas placas pelo enorme corredor. A gazua digital descodificou a criptografia de uma das portas.  Vimos uma esteira com mais de vinte metros se estender até um funil, que na sua parte mais estreita caberiam dois homens com folga. Sua extremidade apontava para a entrada do moedor de carne e suas lâminas extremamente afiadas de inoxidável. Abrimos mais quatro portas e todas tinham o mesmo equipamento.  Perdemos a noção do tempo, olhamos para o relógio e a madrugada já dava sinais de cansaço. Zarpamos da fabrica. Não queríamos acreditar no que tínhamos presenciado. Chegamos ao carro e partimos em alta velocidade. Fizemos um juramento -não comentaríamos o que vimos com ninguém.   Foi uma espécie de juramento de sangue entre adultos. Não presenciamos nem um crime. Os indícios não provam nada, além disso iriamos receber uma polpuda comissão. Certamente se tratava de uma nova escola de administração, algo tipo Silicon Valley, que usava o humor negro para descontrair os funcionários altamente capacitados.






Semanas depois, estávamos reunidos na sala de vendas e marketing da nossa empresa. Como de costume os jornais estampavam suas matérias sensacionalistas. Porém nos chamou a atenção as manchetes que estampavam na capa:

          GOVERNO CONSEGUIU RESOLVER SUPER LOTAÇÃO DOS PRESÍDIOS.

PARTIDO DO GOVERNO ELIMINOU A POBREZA NO PAÍS.

PROGRAMAS SOCIAIS DO GOVERNO ACABARAM COM O ANALFABETISMO, A FOME & MORADORES DE RUA.


Uma sensação estranha tomou conta de nossas mentes. Como explicar aquelas manchetes. A economia continuava igual ou pior ao governo anterior. Não havia nem um plano de distribuição de renda. Os investimentos em educação e controle de natalidade eram inexistentes. Simplesmente nos olhamos e em uníssono gritamos e vomitamos:


Mat's Homens - Hamburguer de Deus


          






segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

The Elephant Man


The Elephant Man




O Homem Elefante caminha com suas patas pesadas sem estética - a procura de uma estética. Anda por bosques perfeitamente simétricos e observa as oposições equânimes da natureza. Por instantes a pureza do belo  invade os sentidos. Sente uma teoria do gosto superior. Uma sinestesia  preenche o cérebro, as cores, as formas e o silêncio, que se associam num unívoco prazer. Alguns ruídos suspendem o êxtase. Viandantes perdidos em suas próprias vidas - ignoram a contemplação mítica do Homem Elefante. Resignado pela quebra do supra embevecimento se põe em movimento. Carrega um grande fardo, seu próprio corpo, um peso incomensurável. Abandona o bosque em direção ao urbano. Suas imensas patas afundam terrivelmente nos pântanos da impossibilidade da transcendência estética.



O Homem Elefante é incansável. Continua sua busca infinita pela estética total e superior, mas também tem o desejo de solucionar todos os problemas humanos. Seu fundamento, seu lastro é o próprio corpo deformado pela alta densidade, pelo seu corpo anti-estético, pelo seu corpo adiposo a procura de uma estética. Sua manada o abandonou, a caterva humana também - e só continua sua intensa perquirição pela estética da estética - o sumo da estética. Sua existência se aprofundou pelos abismos das rejeições, pelos tsunamis psicológicos, pela procura inútil. O último sonho foi indecifrável, nem um Super Jung conseguiria fazer qualquer associação. No ciclo R.E.M. sonhou que estava de escafandro primitivo - descendo a Fossa Oceânica Abismal de Mariana. Ao chegar na imensa profundidade, sob pressão que nem um humano poderia resistir, encontrou caixas perdidas pelos corsários - cheios de botelhas de rum. Consumiu uma quantidade inumana da bebida dos piratas. Seu corpo se transformou numa criatura achatada, como as dos habitantes destes abismos marítimos. 



O Homem Elefante faz poesias para sublimar a pesada realidade. A poesia o faz sentir como uma pena no ar tépido de verão flutuando numa sala de opio chinesa. A metáfora leva sua forma deformada a paraísos artificiais de Charles Baudelaire, mas a realidade é sempre lúgubre. A cada instante de sua consciência vê funerais passar diante seus olhos que buscam a transmutação.  Nem mesmo o clima dos velórios são capazes de entender sua eterna tristeza por conviver em meio a homens, que não  compreendem, que o condenam por sua anti-estética. O rigor do inverno logo chegará, o Homem Elefante precisa de calor, de uma fogueira na caverna de ermitão. Os parasitas do seu corpo precisam de calor para não devorarem sua carne. Sua tromba espirra lagrimas na sua via crucis, assim como Cristo na cruz faz a pergunta mais cruel que um ser pode ouvir:

- Pai!??? Pai?!!! Por que me abandonastes?!!!


O entardecer toca seus dedos na noite. O Homem Elefante cansou de sua procura. Jurou para si mesmo que não mais vai sair de sua caverna de amônia e morcegos. Ali se sente protegido, é como estivesse no ventre materno - em posição fetal. Seu espirito sutil terá mais tempo para compor poemas, versos. Não precisará mais olhar as guilhotinas decapitar cabeças sem estéticas. O que procurava está dentro de seu corpo deformado. A irremediável solidão lhe dará forças, o isolamento o poupará da ignorância estética dos homens comuns. Sua existência começa a fazer sentido no mais terrível solipsismo que um homem já enfrentou. Enfim, o Homem Elefante transcendeu sem transcender...