segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Uma Breve História da Existência de Jim Cristóvão



Uma Breve História da Existência 

de Jim Cristóvão





Na sua memoria ainda se encontra as gélidas barrigas de ratazanas passeando por cima de seu corpo absorto de narcóticos e álcool. Relembrando a partir da perspectiva do seu eu atual, corre um arrepio elétrico por toda parte sensível do seu ser.  Na época Jim Cristóvão era considerado um junk, um lixo social. Habitava um casarão abandonado de paredes em estado de emergência. Suas companhias limitavam-se a ratos e outros seres que viviam do descartável, do não-prestável. O dia servia para conseguir alguma moeda, por meio de pequenos golpes ou por altruísmo de algum cidadão, para financiar o frenético consumo de entorpecentes. Na pele de Jim estava escrita a historia de outside the law. Facadas, agulhadas e cicatrizes de infecções de picos compartilhados eram as tatuagens reais do passado. Quantas vezes foi acordado com o bico de coturnos da policia militar. Quantas vezes foi ameaçado de morte pelas milícias que protegiam a frente dos prédios comerciais. O fim de sua existência era uma questão de entrar na estatística, mas a teimosia do destino o tirava da média e dos desvios padrões. Podemos dizer que J. Cristóvão era o ponto fora da curva.





A mesinha de mogno que suportava o último modelo do Apple virou seu meio de garantir - financeiramente - sua existência. Jim agora era um jornalista freelance. Detestava a forma hipócrita de escrever sobre política e todo o direcionamento pró poder econômico que as grandes mídias veladamente preenchiam seus espaços no papel, nas telas e outros veículos. Precisava sobreviver, nem que para isso - tivesse que engolir sapos. Sabia que seu texto sempre era editado na redação da grande mídia, mas o implicitamente concordar, permitia suas viagens tóxicas-filosóficas. No fundo sabia que seu status atual era temporário. Todo seu esforço para sair do sub-mundo, todas concessões ao status quo - com o tempo seriam inúteis.  Conhecia os escaninhos da existência. Era um behaviorista convicto. Seu corpo fora moldado desde pré-adolescência com álcool & drogas, era uma questão de tempo para ver novamente sua nau naufragar no oceano da loucura, do underground da violência. 





Seus dedos começaram a sofrer as dores da abstinência da artilharia pesada da heroína. Depois veio as convulsões e os textos viraram páginas em branco. Os pagamentos cessaram e seu corpo ganhou a solidão das ruas. Começou a rasgar a noite nas zonas boemias da cidade - atrás de oportunidades álcool-tóxicas. As vezes, um parente ou conhecido ajudavam a manter o seu nível de loucura com alguma contribuição monetária. O tempo e modo de viver conspiravam contra Jim Cristóvão. Sua entrada nas estáticas de mortes violentas entrou no desvio padrão, estava muito perto da média ponderada. Foi numa noite fria de Porto Alegre, numa avenida onde corria um líquido sujo e gorduroso junto a sarjeta que Jim C. tombou. Levou sete tiros espalhados pelo seu corpo macilento. Certamente um acerto de dívidas com traficantes. Seu cadáver ainda esperou por um mês na câmara fria do Instituto de Pericia Legal. Como nem um parente ou amigo reclamou o corpo, Jim Cristóvão foi enterrado numa cova rasa no cemitério de indigentes do poder municipal, com apenas uma cruz feita de madeira retirada de uma  caixa de maçãs argentinas...






HALLOWEEN - O Ermitão Mutante



HALLOWEEN

O Ermitão Mutante



O Asceta caminhava na estrada de chão batido, margeando a floresta atlântica. Como de costume, diariamente, a percorria juntando gravetos e lenhas. Colhia ervas medicinais e psicoativas, frutos silvestres, que compunham parte de sua alimentação frugal. Quando estava em casa, uma cabana simples, construída com pedras do campo, madeira silvícola e algum material descartado pelos habitantes da área urbana, preparava sua alimentação e medicamentos naturais. A noite macerava e fervia as ervas alucinógenas, ouvindo o piar das corujas e de outros pássaros noctívagos. Numa noite de breu total, devido a lua nova, o ermitão sentiu um estranho êxtase em seu corpo esturricado, consequência de uma dieta de candidato a santo vegetariano e filosofo mistico, que procurava transcender a limitação da condição humana. Uma gélida sensação percorreu sua espinha. Seus olhos esbugalhados e sanguíneos expressavam a condição singular do solitário possuído. Talvez, endemoniado. O crepitar do fogo na lenha se avivou de tal maneira, que a chama atingiu a barba sebosa do asceta. O corpo corcunda, como um quasímodo, num passe mágica - se tornou ereto. Os lábios secos e selados durante anos, pela não vibração de suas cordas vocálicas, resultado dos raciocínios sem fim, beirando ao infinito, emitiram gritos originados do lado obscuro da existência, do sobrenatural. Erguido com uma postura reta e a barba em chamas, jogou o corpo contra a frágil porta do barraco. Correu pelo campo, esfregou o rosto na grama, conseguiu apagar as chamas, que destruíram seu monumento grisalho em homenagem a solidão. Continuou correndo, não parou mais. Saiu do campo e atravessou floresta gélida,  que na escuridão plena dava ares sinistros. Sua terrível transformação chegou a pequena cidade. As lâmpadas de mercúrio, penduradas nos postes de eucaliptos, quebravam a escuridão. O penitente, transformado num hábil homo apetite's, tinha a nova configuração revelada por bombardeios de fótons.


Em frente a uma mistura de bolicho e mini-mercado, sentiu suas papilas degustativas traçarem seu próximo passo. Quebrou os vidros da vitrina rústica e penetrou dentro da venda. Totalmente transtornado o vegan-asceta soltava grunhidos primitivos. Derrubou um jirau de linguiças e morcilhas rubescentes, que odorizavam sanguineamente. Seus dentes acostumados com seiva e clorofila, mordiam, estraçalhavam a carne e o sangue. Devorou grande parte dos embutidos - com animalesca voracidade. Depois a atenção se voltou para o balcão frigorífico com carnes de vacunas. Prostrado, de quatro, estraçalhou o produto animal. O vermelho carnil líquido escorria pelos lábios selvagens. O terrível espetáculo carnívoro se dava em meio ao sono inocente do povoado de imigrantes, que na sua profunda sonolência de gente simples, que recuperava as energias para a labuta na roça do amanhã. Depois do canibalismo paralelo, se ergueu bípede, erecto. As roupas puídas foram ragadas com fúria. A configuração  sinistra se precipitou pelas pacatas ruas. Com as genitálias balançando, no ar tépido do verão, que se anunciava, ambulava pela avenida principal. Como um sátiro, suspirando lascívias e captando feromônios de virgens, parou silente diante um sobrado de pedra e madeira, jardim florido de amores-perfeitos, dálias e rosas. Um novo êxtase perpassou o corpo libidinoso. Uma eletricidade sexual incontrolável foi despertada, causada por hormônios que emanavam do interior da casa. Jogou toda a energia carnal na janela bucólica. Olhou para cama onde uma jovem de pele láctea e olhos negros repousava sua castidade. Possuído por deuses pagãos, jogou seu corpo por cima da jovem. A família se acordou com os gritos juvenis desesperados, que ecoavam por dentro da casa - com um teor de terror. Os pais e os irmão juntando todas as forças não conseguiram retirar o priapo de cima do ente imberbe. O pai buscou uma faca na cozinha. Cravou no dorso do asceta mutante. Um grito de javali selvagem reverberou pela garganta. O eremita pulou a janela e correu com a faca rebrilhando nas costas. Antes de adentrar a floresta foi atingindo por uma bala. Embrenhado na escuridão, o mutante retira a lamina do dorso. A sobrenaturalidade desaparece. Não restou nem cicatrizes nos ferimentos...





O sol já lançava seus raios purificadores nos resquícios de trevas da mata densa. O solitário-Asceta, em seus estado natural, descerrou seus olhos de um pesadelo. Aturdido, levantou do chão enfolhado da selva. Sua memoria da noite anterior tinha sido afetada por amnesia. O sabor forte de carne e sangue subia do estomago. Foi matutando em direção a sua choupa, tentando desvendar a impressão carnívora. O sabor que portava era a antípoda de sua filosofia, de seu modo de vida. Seu raciocínio arrazoava uma explicação lógica. Certamente, havia ingerido alguma erva psicoativa poderosa, fora de sua dieta. Nos dias seguintes a vida do mutante foi se enquadrando no seu ramerrão filosófico-vegan. O sabor carnil foi evacuando de suas entranhas, sendo purificado por ervas e raízes. O Halloween lascivo ficou no passado esquecido, na memoria do sobrenatural...




sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Niilismo Superlativo ou Mosaico do Nada...






Non Plus Ultra...  




Sou escravo das palavras, mas não dos sentidos. O mundo carece de coerência. Os conceitos são realidades inconcretas esperando circunstâncias para se revelarem "fatos". Os léxicos são sementes que brotarão na futura atualização do campo da existência. Os grilhões são perpétuos  na frágil caminhada do homem. As palavras permitem um voo por cima do purgatório de Dante. O sofrimento do cotidiano e suas hierarquias já são suficientes para a humanidade sofrer. O sonho é a única felicidade ao alcance, enquanto sonho. Caminhei por muitos descaminhos e não vi nada diferente das "retas" estradas dos moralistas, senão suas palavras vazias e repressoras. Sartre disse que o homem é uma doença, eu digo: - Uma doença em estado terminal  - Sempre tentei ultrapassar os limites impostos; na realidade, a morte é o único ultrapassar da existência. O budismo diz que nascemos sós e morreremos sós. A filosofia nunca chegou ao ser-em-si. O ser primordial é a extinção do que chamamos de homem, animal mais consciência. Kant talvez tenha chegado ao ser-em-si, mas quando percebeu do que se tratava, logo tergiversou e escreveu: "A coisa em si (noúmenon) nos escapa, não pode ser conhecida, somente pensada". O filosofo de Königsberg afirmou que podíamos somente conhecer os fenômenos, chegar a superfície do ser, mas penso que nem isto é acessível ao humano. A eletricidade e química que percorre o cérebro são os responsáveis por toda esta ilusão. A teoria da relatividade, a física quântica e a teoria das cordas não existem fora dos limites do córtex. Todo pensamento é um engano, uma estratégia de sobrevivência que combina ações da matéria de acordo com o sistema da mente, onde fragilmente geramos o perceber a si, o individuo, mas que para o universo infinito é apenas um arroubo insignificante, um nada se manifestando num niilismo. O homem está condenado a sua ignorância iluminista, seus paradoxos crus, sua auto-ajuda de se dignificar,  dar sentido ao vazio que permanecerá vazio. Não há saída, estamos numa sinuca de bico, somos um vazio que preenche seu sentido com outro vazio denominado deus. Quantos copos de absinto precisarei esvaziar para criar coragem e navegar pelos oceanos numa frágil embarcação. Pã morreu, mas seu vinho entusiástico ainda corre nas veias dos crente, dos cientistas, dos ateu que acreditam ser uma forma especial da natureza ou até mesmo um ser especial separado da matéria; quanta ilusão meus senhores, quanto vazio preenchido com o nada. Nietzsche já havia percebido que não existem fatos somente interpretações, mas o etimólogo alemão não pode ser radical o suficiente, não teve estofo para dizer que os fatos não existem, somente  interpretações do vazio. Nietzsche nunca deixou de ser uma criança mimada, acabou seus últimos anos nos braços da mãe, pois não tinha coragem suficiente para romper com a ilusão da vontade de potência, pois este era seu último fantasma de seu castelo de areia. Nietzsche tinha medo do nada, por isso lançou todas suas farpas contra as ideias de Platão, contra o Cristianismo e o budismo, pois representavam o nada, a morte. Apolo venceu Dionísio, o racional de Sócrates sobrepujou o rio de Heráclito. A tragédia estava presa na mente, encarcerada pelos pensamentos que dançavam no vazio, no vácuo de sentido. O nada coerente havia vencido o nada do kaos, a Nietzsche só restou se refugiar na sua própria loucura, no arrimo da sua mãe e irmã. No devaneio irracional e Cataléptico Nietzsche se escondeu do nada, da tendência de sua filosofia bater na porta do nadismo, do pessimismo no vácuo...

Non Plus Ultra...