O amanhecer é uma dúvida...
Os neurônios em choque contra a artificialidade das artes. Os sábias gorjeiam na madrugada pré-primaveril. O estomago acidificado pelo vinho vagabundo - causa transtornos nos vultos intensos da realidade intocável... O sentido da vida perdeu seu efeito de estimular o espirito de conservação. Suportamos a existência colocando os fragmentos em alguma ordem não lógica. Escrever tornou-se obrigação para evitar o total-nada. Talvez sejamos um Jesus Cristo-Ateu esperando a bala perdida brasileira ou a cruz medieval, ou ainda, a cimitarra muçulmana. Quiçá a última noite fria esteja perto. Na noturnidade a rua é o palco impiedoso para cada erro, para cada acerto. Kapruskaya disse que vai morrer abraçada em nosso corpo, mas ele está podre, velho e sem energia. Nós bebemos demais, escrevemos demais, desafiamos o futuro sem retaguarda. Nossos corpos estão nus na imoralidade redentora. O peso do universo moral vai querer esmagar nossa liberdade desvelada. K. então disse que não compreende o deus-infinito-nada, apesar de adorar a imoralidade imunda do deus vagabundo inexistente. Mudamos de plano, fomos beber cicuta e consagrar um galo para Esculápio. Não temos futuro, não percebemos o presente e esquecemos convenientemente o passado. Deve ser consequência do álcool, dos opiáceos e de alguns traumas freudianos ou não. Sem falar do trem da revolução que descarrilou - enquanto embarcávamos. Os lábios de Kapruskaya gélidos, como os habitantes da paz eterna de Kant, mas com todo seu sex appeal - arrepiam a pele do assexuado e do cadáver do poeta, que morreu sem rima nas geleiras do pensamento. Acho que já estamos há muito tempo neste planeta, ao contrario de nossas mães que resgatam cada minuto que ainda possam restar. Não temos mais empatia nem com nossas sombras. Caminhamos na soturna e congelante madrugada, entumescidos de alguma impureza. Logo vamos dormir em camas separadas, em profundas toxidades incompreensíveis para os humanos... O amanhecer é uma dúvida...