Paralipomena
Underground, Escrever, Write...
Escrever é como xadrez, você apreende alguns movimentos e já pode jogar. Não precisa de "inteligência", não precisa ganhar o jogo - apenas jogar, apenas escrever.... Porém, para jogar letra no papel, precisa-se das entranhas, jogar os fluidos glandulares no texto, nas entrelinhas. É preciso o arrepio da beira do abismo, a depressão da mais profunda fossa oceânica, o aroma das pétalas, o odor tenebroso das carcaças em adiantado estado de putrefação. Satã será vossa companhia na solidão escritural. Escrever só é possível nos infernos pessoais, no érebo, por baixo da terra, numa cova rasa, na singularidade de um black hole. Astronautas não escrevem quando estão no espaço. Emitem ondas que viajam pelo vácuo de sentido com suas vozes codificadas. A matéria-prima do escrever só pode ser ceifada numa selva psicológica de desajustados, colhida nos trigais de Van gogh, na loucura de William Blake, na dantesca sociedade humana. Se você quiser manter seu figado intacto, livre de cirrose, de hepatites, de tumores destrutivos, apenas, fique na superfície, escreva para os jornais, para a big media, para as vitrines dos shoppings. Um movimento errado no xadrez você perde o jogo, um erro de sintaxe pode gerar um estilo. Um defeito no escrever pode, como um grão de areia na ostra, virar uma perola. Não se preocupe com a gramática, pois quem escreve conforme as leis é apenas um alienado que tolhe o ser que se manifesta na linguagem-livre-fluida. O escrever precisa de liberdade, de álcool, de loucuras e rompimento com status quo. Transgredir deve ser uma constante. A morte será uma conselheira valiosa. O escritor deve usar seu corpo no submundo, no Underground, nos excessos tóxicos. Deve fazer como Aldo Huxley, na hora da morte, aplicar 100 microgramas de LSD, via intramuscular. Para aprofundar seu texto, faça como Hölderlin, fique décadas trancafiado na torre, às margens do rio Neckar, escrevendo poemas. Escrever é ser expulso de Harvard, promover uma experiência psicotrópica como Timothy Leary. Escrever é imaginar o fim do mundo, voltar no tempo na hora do big-bang. Derramar letras no papel é fazer como Lima Barreto, colocar o figado em exposição para ser derretido pelo cinismo da sociedade. Escrever é urinar nos túmulos dos poderosos, jogar fezes na coroa da rainha....