segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Confeitaria Paraísos Artificiais







Confeitaria Paraísos Artificiais 





Os confeitos de haxixe decoravam a camada alva de açúcar do doce branquíssimo, belo e sedutor como o nariz de Cleópatra. O glacê de açúcar, suco de limão e clara de ovos ornamentava a forma meia-esfera. O doce era feérico e por trás do vidro diáfano atraia a atenção de forma carismática, parecendo ter vida própria. No balcão de lanches fumegavam taças de porcelana branca. Pareciam pequenos navios a vapor sendo bebericados por titãs de terno e gravata, em intervalos regulares, preenchidos por colóquios dos mais diversos teores. Agora tinha virado paixão irrefreável, encantamento. Solicitei a balconista de avental verde:

- Por favor, gostaria daquele doce alvo como a neve eterna do Everest. 

Em segundos, estava com o manjar envolvido em guardanapos. Os lábios úmidos derretiam a camada doce e absorviam os pedacinhos de haxixe. Ao sair da confeitaria o neon do letreiro fez atentar para o nome da casa de doces:

Paraísos Artificiais



Uma pessoa parecidíssima com Charles Baudelaire, pelo menos com as fotos de sua biografia, estava encostada na parede amarela do prédio da esquina. O amarelo rebrilhava em função da incidência das luzes de sódio que invadiam a noite. A esquina era simpática, porém tinha um ar de decadência, de sonho americano perdido:

- Psiu...  Você poderia me dar um pedaço deste hidromel sólido?

Já havia comido a metade do doce alvíssimo com confeites de haxixe. Reparei no traje uma característica dos poetas do século XIX, em frança. Com todo respeito e escrúpulo perguntei:

- Você é um mendigo?

- Não Monsieur ... Sou apenas um revolucionário da poesia, deslocado no tempo cronológico. Não me leve a mal, senti saudades dos doces de antanho confeitados com haxixe.


Mentalmente evoquei Les Poètes maudits: Rimbaud, Verlaine, Baudelaire, Antonin Artaud... Fiz mais... Voltei a confeitaria Paraíso Artificiais e comprei mais meia duzia dos doces alvíssimos e uma garrafa de vinho involucrada em um saco de papel reciclável. Convidei "Baudelaire" para sentar no banco verde da praça. Postes estilos londrinos iluminavam árvores de origens desconhecidas. Comemos alguns doces e demos alguns goles no vinho. Meu companheiro de viagem apontou o dedo para flores de aspectos malignos. Nas pétalas podíamos ver rostos diabólicos com expressões terríveis. Por momentos senti um calor subir pelas pernas e queimar meu cérebro. Olhei para o lado e vi Baudelaire transfigurar o rosto - uma expressão demoníaca se apossou de sua face. Joguei os doces e o vinho para o alto e corri sem olhar para trás.



Quando parei de correr já estava na avenida iluminada. Os faróis dos automóveis se decompunham em cores que penetravam e atravessavam meu corpo. Ao longe vi um vulto estranho, parecido com Baudelaire. Não tive dúvida, comecei a correr. Chocava-me com pessoas nas calçadas. Quando me dei conta, estava diante uma igreja. Algumas pessoas vestidas de um branco puríssimo na porta central do templo faziam sinais com a mão. Acenavam para mim ir até elas. Fui carregado por esses anjos humanos até o altar. O Bispo aspergiu água benta no meu corpo, levantou um crucifixo de prata e pronunciou:



Exorcizo te, omnis spiritus immunde, in nomine Dei (X)
Patris omnipotentis, et in noimine Jesu (X) Christi Filii ejus, Domini et Judicis nostri, et in virtute Spiritus (X)
Sancti, ut descedas ab hoc plasmate Dei (name),
quod Dominus noster ad templum sanctum suum vocare dignatus est, ut fiat templum
Dei vivi, et Spiritus Sanctus habitet in eo.
Per eumdem Christum Dominum nostrum, qui venturus est judicare vivos et mortuos, et saeculum per ignem.





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