Superando Althusser
Houve uma época em que andávamos com livros de Althusser embaixo do braço. Isto após o Ideólogo Marxista matar por estrangulamento sua esposa; ou por acidente, ou por premeditação. O certo é que Hélène Rytmann, uma revolucionária judaica nascida na lituânia, morreu nas mãos de um homem que teve sua saúde mental e psicológica abalada ao longo de sua existência. Apesar de nossa pouca idade e tempos nebulosos, vivíamos mastigando livros de Karl Marx ou seus derivativos como Althusser, às vezes comprávamos, às vezes surrupiávamos das prateleiras de livrarias burguesas. Acreditávamos que o socialismo científico seria a redenção para a humanidade, a salvação da lavoura, a remição do lavor urbano. Entre reuniões e movimentos revolucionários, nossos feromônios fervilhavam, espocavam tornando nossos corpos elétricos e rebeldes. A ideologia, o livro vermelho de Mao Tsé-Tung, a crítica e autocrítica e a disciplina rigorosa nos impedia a transição da política revolucionária para o sexo e o rock and roll, que nossa química corporal exigia.
O materialismo é o que importa. A religião é o opio do povo. Não pudemos sustentar por muito tempo estes bordões. Logo migramos para livros de Castaneda e planejávamos viagens em direção ao deserto de Sonora, para Machu Pichu e seus mistérios. Queríamos provar os verdadeiros ópios. Mastigar folha de coca e experimentar mescalina; ouvir as flautas mágicas andinas e conversar com os bruxos de Dom Juan. Foi uma transição em que por muito tempo tateamos na escuridão da indefinição. O existencialismo de Heidegger e Sartre chegaram por meio da biblioteca pública, apesar de varias vezes sermos aconselhados, por obesas bibliotecárias, a arranjar outra ocupação e deixar o espaço livre para quem realmente precisava estudar. Não entendiamos muito bem a liberdade que Sartre pregava. Contudo, chegou em nossas mãos o script de uma peça de teatro do existencialista francês. O personagem, chamado Tom, passava o dia tocando saxofone no sótão, esvaziando garrafas de whisky do Alabama. Jazz e whisky - isto nos servia. A cada acorde ganhávamos existência, a cada dose de álcool perdíamos nossa memória materialista e afetávamos o figado...
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